Juliana Bevilaqua
A insegurança na noite de Caxias do Sul é uma preocupação que se acentuou nas últimas semanas devido à morte de um jovem, no dia 22 de março, na antiga Estação Férrea, aréa de grande concentração de bares e casas noturnas. Uma reunião na quarta-feira (1º), na Câmara de Vereadores, discutiu o assunto e apontou a criação de uma patrulha para realizar rondas durante a madrugada como uma saída para o problema da falta de segurança.
Mas para a consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Andreina Seijas, a solução para a redução da criminalidade pode estar em outro caminho: na exploração da economia noturna. A especialista, que trabalha na Iniciativa de Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) do Banco, entende que cidades precisam funcionar durante a madrugada, porque ruas cheias de pessoas e bem iluminadas ajudam a inibir a ação de bandidos. Andreina defende que a oferta durante a noite deve ir além de bares e casas noturnas. Comércio, restaurantes, cinemas, museus e bibliotecas também devem ficar abertos durante a madrugada.
Nesta entrevista, Andreina fala sobre a ideia de cidades 24 horas, dá exemplos de lugares que exploram a noite comercialmente, não apenas com festas, e cita ações como a Noite dos Museus em Buenos Aires e a Noite Branca, realizada em diversas cidades do mundo, inclusive em Belo Horizonte, em 2012.
Rádio Gaúcha: Por que cidades 24 horas?
Andreina Seijas: Quando pensamos na noite, a primeira coisa que vem à mente são elementos como bares, restaurantes, ruído, bebida. Contudo, a noção de noturno tem um sentido muito mais amplo. Há muitos anos, cidades como Londres, na Inglaterra, e Melbourne, na Austrália, têm estudado o comportamento dos seres humanos durante a noite para poder desenhar políticas que ajudem a regular este comportamento e melhorar a qualidade de vida dos espaços, não apenas para entretenimento, mas também para os que trabalham durante a noite. Exemplos dessas políticas são iluminação pública, horário de abertura e de fechamento do comércio e também as condições de trabalho dos trabalhadores da noite. Me chamou a atenção que na América Latina existe pouca literatura sobre o tema. Por isso, me dediquei a coletar uma série de experiências positivas na noite na América Latina, a fim de abrir o caminho para que nossas cidades sejam cada vez mais 24 horas.
Rádio Gaúcha: Quais são as vantagens de uma economia noturnas nas cidades?
Andreina: A partir da experiências de cidades como Londres, podemos identificar uma série de vantagens ou razões pelas quais as cidades devem promover uma economia noturna cada vez mais ampla.
* Geração de emprego: a economia noturna é uma fonte de emprego e de renda adicional para as cidades.
* Revitalização do espaço público: permite revitalizar áreas e edifícios da cidade que, em certas horas do dia, caem em desuso.
* Motor de turismo: uma cidade noturna é muito mais atrativa para os visitantes. Uma cidade que oferece transporte 24 horas, que oferece facilidade de restaurantes, lojas, etc, durante mais tempo, é muito mais atrativa.
* Senso de pertencimento da cidadania: as cidades noturnas, se são bem conduzidas, conseguem gerar um maior senso de pertencimento para quem vive nelas.
Rádio Gaúcha: Quais são as dificuldades para promover uma economia noturna?
Andreina: A principal dificuldade é que existe uma conotação um pouco negativa da noite na América Latina, talvez porque a noite está principalmente associada a temas como insegurança e barulho. Atualmente, trabalho para a Iniciativa de Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES), um programa de assistência técnica que busca apoiar as cidades intermediárias da região na identificação de suas prioridades de gestão urbana, fiscal e ambiental, a fim de se tornarem mais sustentáveis.. Como parte da fase de priorização da metodologia que implementamos nestas cidades, fizemos pesquisas de opinião pública para verificar quais as principais preocupações dos cidadãos. Os resultados das pesquisas revelam que, independente do tamanho da cidade ou do seu endereço, as preocupações sempre são as mesmas: em todas as cidades, a insegurança é a maior preocupação dos cidadãos. Apenas 18% das pessoas entrevistadas afirma que se sente segura ao caminhar à noite em sua cidade. Por outro lado, 40% dos cidadãos entrevistados assinalaram o ruído como um dos principais problemas de sua cidade. Por isso, falar de cidades 24 horas implica uma mudança de mentalidade, para que as cidades entendam o valor social e econômico de oferecer espaços noturnos seguros e de qualidade.
Rádio Gaúcha: Como uma cidade 24 horas pode ajudar a reduzir a criminalidade?
Andreina: As cidades noturnas permitem promover a segurança cidadã. Por quê? Porque, pelo menos do ponto de vista da percepção, uma rua cheia de gente se percebe ou se sente muito mais segura do que uma rua vazia. Por isso, as políticas que conseguem manter a gente na rua por mais tempo, como a ampliação dos horários noturnos de estabelecimentos comerciais, de lojas, de restaurantes, de cinemas e de bibliotecas, ajudam a manter as ruas cheias de vida.
Rádio Gaúcha: Como os governos podem começar a criar cidades 24 horas?
Andreina: Para poder abrir o caminho de uma cidade noturna, falta criar três condições: infraestrutura ou hardware (boa iluminação pública, sistemas de transporte público seguros e acessíveis durante a noite); regulações ou software (normas sobre as condições e horários de abertura de lojas, bares e restaurantes); e instituições (capacitação de forças policiais, articulação de grupos de vizinhos e de grupos de comerciantes que operem durante a noite). Todos esses fatores devem existir para poder criar espaços noturnos de qualidade nas cidades.
Rádio Gaúcha: Existe algum exemplo positivo de cidade 24 horas na América Latina?
Andreina: Muitas cidades na região já estão encaminhadas para se tornarem cidades 24 horas. Na Cidade do México, podemos encontrar ginásios que abrem 24 horas e em Buenos Aires existem livrarias que permanecem abertas toda a noite. Além disso, mais de 10 cidades celebram a Noite Branca na América Latina e Caribe. Na Argentina, há mais de uma década, Buenos Aires organiza a Noite dos Museus, um evento anual em que se reúnem centenas de milhares de pessoas para celebrar a arte e a cultura da cidade. Na Venezuela, desde 2006 se realiza o festival Pelo meio da rua, que congrega milhares de pessoas nas ruas de Caracas para celebrar os espaços públicos da cidade uma noite por ano. Outras cidades como La Paz, Bogotá, Lima, Assunção e Quito também organizam eventos similares para aproveiar a noite como um espaço para a cultura, a socialização e o entretenimento. No Brasil, se destacam a Noite Branca, em Belo Horizonte, e a Virada Cultural, em São Paulo, eventos que atraem milhares de pessoas. Todos esses eventos cumprem um papel fundamental, pois ajudam a criar uma consciência da importância da noite do ponto de vista cultural. No entanto, não são suficientes, pois ocorrem apenas uma vez por ano. É por isso que faz falta políticas que ajudem a criar condições dignas durante todo o ano, tanto para quem a noite é um espaço de festa e quanto para aqueles que a noite é um espaço de trabalho.